terça-feira, 20 de março de 2012

A AMEAÇA NA SUPREMACIA DA VÊNUS

Quando que a Globo teve sua liderança na audiência ameaçada

O momento já foi muito pior. Hoje a Rede Globo supera em audiência, com certa facilidade, a todas as emissoras em praticamente todos os horários. A atual dor-de-cabeça sofrida pela dita Vênus Platinada é causada pelas novelas da Record, sobretudo a das dez da noite, que costuma liderar por vários minutos o Ibope, razão de viver das emissoras e responsável por esta concorrência envolvente televisiva.
Há pouco mais de um ano, a emissora penava na hora do almoço, quando o seriado mexicano Chaves costumava superar o noticiário esportivo Globo Esporte por uma diferença de um a três pontos, em média. Uma ironia estava presente naquilo tudo: como o Ibope leva em conta apenas os índices na capital paulista e as afiliadas da emissora de Silvio Santos costumam colocar telejornais locais naquele horário, podia-se dizer que o único programa que vencia a Globo naquela época não passava de um regionalizado.
Sobre as novelas, presentes na emissora carioca desde sua fundação em 1965, até os anos 70 e 80 as do principal horário (oito da noite) sempre marcavam de 70 a 80 pontos de audiência (um dos capítulos de Selva de Pedra, de 1972, chegou à hoje impossível marca dos 100). Atualmente, os folhetins do horário nobre dificilmente cravam uma média acima de 50 pontos. Vários fatores, relacionados às novas tecnologias, podem ser considerados os responsáveis por esta diminuição na acentuação da vantagem global. Primeiro: a disponibilidade do controle remoto impede que a TV fique sintonizada em apenas um canal, permitindo o chamado “zapping” em outras emissoras. Segundo: o surgimento de novos meios a fim de distrair a população, como a Internet, além de invenções mais antigas como videocassete, videogame e, mais recentemente, o DVD. E terceiro: o crescimento das emissoras concorrentes da TV aberta, além do “boom” da TV a cabo, o que possibilitou novas opções ao telespectador.
Novelas, a eterna fórmula do sucesso
O terceiro fator é, sem dúvida, o mais evidente. O declínio iniciou-se no começo dos anos 90, quando as novelas Pantanal (Manchete) e Carrossel (SBT) ameaçavam constantemente o primeiro lugar da Rede Globo. Pantanal, produção brasileira escrita por Benedito Ruy Barbosa, ultrapassava freqüentemente os 40 pontos de audiência, índice então impensável para outra emissora que não fosse a Globo. Já a mexicana Carrossel roubou muitos pontos do Jornal Nacional e da novela O Dono do Mundo, que se tornou um fracasso.
Além da corriqueira exibição de tramas “enlatadas”, o SBT reinaugurou o seu núcleo de dramaturgia em 1994 com Éramos Seis. A regravação da trama exibida originalmente pela TV Tupi em 1977 fez um grande sucesso, conseguindo uma média de 15 pontos (com picos de 22) e possuía um elenco de primeira linha, com atores do quilate de Irene Ravache, Othon Bastos, Marcos Caruso, Jussara Freire, Tarcísio Filho, Nathália Timberg, Osmar Prado, Denise Fraga, entre outros. A apresentação da novela ocorria em dois horários: às 19h e às 21h30min. A jornada dupla seria repetida nas duas tramas posteriores da emissora As Pupilas do Senhor Reitor e Sangue do Meu Sangue.
Ana Maria Braga e Ratinho
Em meados dos anos 90, a Rede Record, onde na época era costumeiro o traço na audiência (quando não se marca nenhum ponto), procurava investir na insossa programação vespertina. Seu trunfo atendia pelo nome de Ana Maria Braga, que comandava o feminino Note e Anote. Quando exibido, a audiência do programa cresceu e o número de inserções de merchandising ampliou sua duração de duas e meia para 5 horas. O resultado refletiu também na audiência: os 5 pontos em 1996 saltaram para 8 no ano seguinte. Ana Maria Braga seria contratada pela Globo em 1999 para apresentar o Mais Você. Escalada para o horário das 13h45min, a apresentadora não viveu seus dias melhores quando debutou na Vênus. Após sucessivas derrotas para o seriado Chaves, acabou transferida para a manhã, faixa onde se encontra até hoje.
No segundo semestre de 1997, a mesma Record estrearia o Ratinho Livre, comandado pelo apresentador Carlos Massa, o Ratinho. O programa, típico do gênero “popularesco”, incomodou bastante a Globo com suas bizarrices representadas pelos testes de paternidade que sempre terminavam em briga, além das histórias inusitadas, avacalhações, confusões da produção e bagunça características. Contratado pelo SBT no ano seguinte, Ratinho continuou roubando audiência da Vênus mantendo o mesmo formato, alcançando freqüentemente o índice de 20 pontos de audiência. Hoje, foi colocado na chamada “geladeira” por Silvio Santos, permanecendo fora do ar na emissora.
O momento da Bandeirantes
Em janeiro de 2000, a Globo ignorou o Mundial de Clubes organizado pela Fifa e disputado no Brasil. A Bandeirantes obteve a exclusividade da exibição do torneio, cujos jogos atingiam excelentes índices de audiência. Arrependida, a Globo tentou fazer um acordo com a empresa Traffic - detentora dos direitos de exibição - para transmitir as partidas derradeiras, mas sem sucesso. Resultado: na decisão do Mundial, disputada entre Corinthians e Vasco no estádio do Maracanã, a Bandeirantes conseguiu espetaculares 53 pontos de audiência, a maior da história da emissora. Cinco anos antes, a apresentação exclusiva pelo SBT da decisão da Copa do Brasil entre Corinthians e Grêmio rendeu média de 42 pontos.
O fenômeno Casa dos Artistas
Entre 2000 e 2001, Gugu, com seu Domingo Legal, bateu o Domingão do Faustão em 45 semanas de 58 contabilizadas. No segundo semestre de 2001, o SBT parou o Brasil com a Casa dos Artistas, reality show que confinava 12 famosos em uma casa a fim de acentuar os relacionamentos pessoais e testar os limites de paciência a serem atingidos pelo ser humano. E, é claro, qualquer movimento era registrado pelas câmeras espalhadas pela casa. A Globo, que recém havia adquirido os direitos do Big Brother junto à produtora holandesa Endemol, tentou barrar o prosseguimento da atração, alegando plágio por parte do SBT. Devido a uma liminar obtida pela emissora carioca, a Casa chegou a ficar dois dias fora do ar. E enquanto o processo – que seria vencido por Silvio Santos - se arrastava, diariamente as principais ações ocorridas na casa eram exibidas em horário nobre e Silvio Santos, aos domingos, comandava a votação que resultava na eliminação de um dos participantes. A final da Casa dos Artistas, que teve como vencedora a atriz Bárbara Paz, conquistou média de 48 pontos e picos de 55 (contra 18 da Globo). Mais duas edições do reality show seriam realizadas em 2002, mas sem o impacto da primeira.
Novelas da Record: a atual dor-de-cabeça
Desde a Casa dos Artistas, nunca mais nenhuma emissora concorrente conseguiu uma vitória significativa sobre a Globo. Atualmente, as maiores ameaças à Vênus Platinada são frutos do núcleo de teledramaturgia da Record. A retomada das novelas na emissora paulista ocorreu em 2004, com o remake de A Escrava Isaura. A qualidade das tramas, aliada às excelentes produções e ao elenco recheado de ex-globais, faz com que a Record, por algumas vezes, supere o Jornal Nacional e os programas posteriores à novela das oito. O folhetim Prova de Amor, no dia 18 de janeiro de 2006, venceu o noticiário global por oito minutos, marcando 25 pontos de pico, contra 21 do concorrente. Na mesma trama, o público pôde escolher pelo telefone o destino da personagem Paty (Renata Dominguez), numa interatividade inédita na história das telenovelas brasileiras. Hoje, o trunfo atende pelo nome de Caminhos do Coração, já rotulada como “novela dos mutantes”.
Apesar desses casos isolados relatados, a supremacia da Rede Globo de Televisão parece ser irreversível. O chamado Padrão Globo de Qualidade, idealizado por Walter Clark e José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni) há quarenta anos, faz parte da rotina do telespectador brasileiro. Com a chamada “programação-sanduíche”, localizando um telejornal entre duas telenovelas no horário nobre, criou-se o hábito de ver TV em família, garantindo a fidelidade de público, duradoura até hoje – ainda que em proporções menores com relação aos anos 70 e 80. Tanto que a Record é, atualmente, a segunda maior emissora do país por copiar em tudo a Globo, tanto no formato de seu telejornal – apresentado por um casal de jornalistas tendo a redação ao fundo, como no Jornal Nacional – como nas faixas de telenovelas. O SBT, que já se orgulhou de ser a emissora “líder absoluta da vice-liderança” (segundo o clássico slogan dos anos 80), passa por uma crise financeira e insiste nas insuportáveis mudanças em sua grade de programação. A Bandeirantes raramente supera os cinco pontos. A programação da Rede TV é lamentável em termos de qualidade e vive às custas dos infomerciais, o que nos deixa cada vez mais saudosos da finada Manchete. Conclusão: é bem possível que, daqui a exatos cem anos, desconsiderando os avanços tecnológicos iminentes, o patamar continue o mesmo, com a Rede Globo reinando absoluta no Brasil.

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