domingo, 21 de outubro de 2012


Revista Veja – Glória Perez e o eterno retorno do exótico na TV



Imagens bonitas de países exóticos? Confere. Romance açucarado? Confere. Um núcleo popular que vive em festa? Confere. E a dancinha que vira moda nas ruas? Também estará lá. Depois de uma novela repleta de surpresas e reviravoltas como Avenida Brasil, de João Emanuel Carneiro, o horário nobre da Globo vai ser tomado por elementos para lá de familiares ao espectador. E ainda mais à autora de Salve Jorge, novela que estreia nesta segunda na faixa das nove requentando aquilo que caracterizou tramas como O Clone (2001) e Caminho das Índias (2009) e vem marcando a carreira de Glória Perez. Mais do que suceder um fenômeno de popularidade como Avenida Brasil, ela terá pela frente o desafio de convencer com o mesmo repertório que vem usando nos últimos dez anos.
De modo geral, são quatro os elementos que estruturam as novelas de Glória Perez (confira no infográfico abaixo, onde você pode criar a sua própria novela). Além da ponte-aérea com um país longínquo, há sempre um tórrido romance criando conflitos, o choque com uma cultura distante (fornecedora de jargões e dancinhas) e o investimento no chamado merchandising social. Este, muitas vezes impregnado pelo pendor da autora para temas da área médico-científica – vide Barriga de Aluguel (1990), Explode Coração (1995) e O Clone (2001).
Ainda que possam se converter em obstáculo diante da agilidade e da renovação representadas por Avenida Brasil, as repetições são um trunfo de Glória, de acordo com Claudino Mayer, doutor em teledramaturgia e autor do livro Quem Matou… O Romance Policial na Telenovela (Annablume). Para ele, qualquer semelhança não é mera coincidência. “Glória Perez sabe quais são os padrões que garantem uma novela de sucesso. A reutilização dessa estrutura é uma tática para estabelecer empatia com o público e manter a audiência.”
Desta vez, o posto de país exótico a ser retratado ficou com a Turquia. Em O Clone, a posição foi ocupada por Marrocos e, em Caminho das Índias, pelo país de Gandhi. É em Istambul que vive a família do rico comerciante Mustafa, personagem de Antonio Calloni, um dos atores que, vem ano passa ano, aparecem fantasiados em um folhetim da autora. Da cultura turca, virá o bordão da vez – a aposta é em “Merhaba”, saudação que equivale a “Oi”. E, com grande potencial de virar praga, a dança do kavkaz, típica da antiga terra dos otomanos. A coreografia é praticada majoritariamente por homens e consiste em giros, muitos giros, palmas e saltos mortais.
A temática social será a do tráfico de pessoas, que de quebra desencadeará o conflito amoroso do folhetim. A mocinha Morena (Nanda Costa) vai ser ludibriada pela vilã Lívia (Cláudia Raia) com um convite para trabalhar na Europa. Além de separar a garota de seu amado, Theo (Rodrigo Lombardi), a armadilha ganhará tons de tragédia quando Morena for forçada a se prostituir. Uma cilada, Bino, diria o Pedro (Antonio Fagundes) do extinto seriado Carga Pesada.
O núcleo suburbano e alegre, que foi comandado por Dona Jura (Solange Couto) em O Clone, em Salve Jorge vai ter lugar no Complexo do Alemão. A favela pacificada em 2010 vai servir de cenário para o romance de Morena e Theo, capitão da cavalaria do Exército que participou da retirada do tráfico do local.


Público cativo – Apesar de reprisadas, as histórias contadas pela autora são inegavelmente populares. A média de audiência de suas últimas três novelas comprovam seu apelo junto ao público. O Clone (2001) registrou 47 pontos de média. Até América (2005), que foi considerada a sua incursão mais chocha na teledramaturgia, teve média de 49,4 pontos. Já numa época de baixa dos folhetins no ibope, Caminho das Índias (2009) chegou ao fim com 38,8 pontos de média.
A explicação para os altos índices de audiência de novelas que, a rigor, não trazem nada de novo está justamente no estilo peculiar que carregam. A espetacularização das produções costuma dividir opiniões. Há os que amam, os que odeiam e os que taxam de cafona, mas veem mesmo assim. A grandiosidade de Salve Jorge, que se verá na riqueza de detalhes dos cenários e dos figurinos, é comprovada pelo tamanho de seu elenco. Foram escalados mais de 80 atores. Em Avenida Brasil, por exemplo, atuaram cerca de 40.
“As novelas de Glória Perez são verdadeiras óperas populares. Seu estilo agiganta-se por uma questão artística”, diz o especialista em telenovelas Mauro Alencar, membro da Academia de Artes e Ciências da Televisão de Nova York e autor de A Hollywood Brasileira – Panorama da Telenovela no Brasil (Senac).
Salve Jorge, porém, pode ser a última novela de Glória Perez ambientada em países exóticos. Em um dos workshops sobre a cultura turca frequentados pelo elenco, a novelista revelou que a trama vai fechar a trilogia iniciada por O Clone e Caminho das Índias, essa última um sucesso comercial da Globo no exterior e que rendeu à emissora, em 2009, o Emmy de melhor telenovela. Se o voo por cenários distantes acabar, a próxima trama da autora deve se passar no Brasil. Ainda assim, não devem faltar bizarrices. Você duvida?
Reportagem da Veja

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